Carta aberta do Juiz Federal, Eduardo de Assis Ribeiro Filho, ilustra o que significou as interferências políticas na Polícia Civil

Documento exalta a necessidade de autonomia investigativa para a classe
24/11/2018 24/11/2018 13:52 1173 visualizações
Eduardo de Assis Ribeiro Filho é Juiz Federal titular na Subseção Judiciária de Gurupi-TO e assim como grande parte da população e a toda as instâncias da Polícia Civil, se indignou com as recentes exonerações, especialmente a do Delegado Bruno Boaventura, que investigava o caso do acúmulo de lixo hospitalar em Araguaina. A carta aberta encaminhada pelo Juiz confirma a urgência da necessidade de autonomia da Polícia Civil para o cumprimento da justiça em todas as instâncias, sobretudo no poder executivo e legislativo, confira:
 
 
Democracia, Sistema de Justiça e independência funcional de seus membros – O caso Araguaína-TO
 
 
Foi noticiado em âmbito nacional o problema do recolhimento do lixo hospitalar em unidade de Saúde Pública de Araguaína. Se a situação já não fosse trágica por si só, tornou-se ainda mais grave com a exoneração, diretamente pela Chefia do Poder Executivo Estadual, do Delegado responsável pela investigação do crime contra a saúde pública.  O afastamento do delegado ocorreu à revelia até mesmo do titular da pasta da segurança pública, gerando em consequência uma série de entregas de Funções Comissionadas ligadas ao Comando da Polícia Civil do Tocantins. 
 
 
Independente do que pode pensar o cidadão comum, a exoneração ocorrida não agride apenas a instituição Polícia Civil e seus membros, mas se reverte na verdade em um ataque ao Sistema Democrático Republicano e à sociedade Tocantinense. 
 
 
De forma não coincidente, foi noticiado no Estado do Pernambuco o fechamento de delegacia onde estavam as investigações envolvendo mandatários do Poder Político pernambucano, o que indicia que há sério problema quanto à posição da Policia Civil na organização administrativa dos Estados. 
 
 
O professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Zimblatt, afirmam no livro “Como as Democracias Morrem” que um dos elementos de governantes com viés ditatorial é a captura daqueles agentes que tem a função de controle dos excessos, o que, no caso brasileiro, pode ser creditado ao sistema de Justiça e Fiscalização, a qual se inclui a Polícia Civil. 
 
 
Notabiliza-se esse tipo de captura, dentre outros elementos, pela rejeição de regras constitucionais ou legais, inclusive de regras não escritas que vigoram na relação entre as instituições de um país, por parte do Chefe do Poder Executivo. 
 
 
Dentro do chamado Sistema de Justiça, a carreira dos delegados de polícia, e aqui incluo também a dos Delegados da Polícia Federal, é a que se encontra em situação de maior vulnerabilidade quanto à possibilidade de cerceamento antidemocrático por parte do mandatário de momento. Isso ocorre, seja devido à dependência orçamentária do Pode Executivo, seja pela Chefia da instituição estar subordinada ao Chefe do Executivo, sendo demissível “ad nutum”, seja, no caso específico do Estado do Tocantins, pela ausência de uma regra, mesmo que não escrita, de autonomia da Polícia Civil. 
 
 
Essa autonomia não se traduz a privilégios dos Delegados, mas sim a garantias à sociedade de que os Policiais Civis gozarão de plena liberdade (no sentido de ausência de ingerência externa) para investigar seja o pobre, seja o rico, seja aquele que cometeu um pequeno crime de furto seja o mandatário de Poder ou pessoas a ele ligadas que desviaram milhões de reais do bolso do cidadão por meio de contratos escusos com a administração pública. 
 
 
É importante lembrar ao cidadão tocantinense que as grandes operações no âmbito federal  que levaram à prisão de pessoas que se achavam acima da lei por possuir maior riqueza material ou por gozar de mandato no executivo ou legislativo, só foi possível graças a uma relativa autonomia, mesmo que não escrita, da Polícia Federal. Ações semelhantes ainda não chegam ao âmbito dos Estados justamente devido à captura das polícias estaduais por parte do executivo, o que pode ser quebrado com regras expressas de autonomia desse importante órgão de Estado. 
 
 
É hora de se discutir, seja nas Assembleias legislativas estaduais, seja no Congresso Nacional, uma nova organização das Polícias Civis, onde essa possa ter maior independência para investigação e finalmente cumprir de forma integral sua missão institucional de repreensão à criminalidade independentemente de quem seja o criminoso. 
 
 
Não há democracia ou república onde o braço forte da Lei somente é capaz e alcançar os mais fracos e uma maior independências das Polícias Judiciárias (polícia civil e federal) é medida necessária para termos um Estado efetivamente republicano e que proteja a coisa pública daqueles que a querem usurpar.